quarta-feira, 18 de maio de 2011

Um minuto de silêncio - ATEAL

O céu é um lugar misterioso, que nos faz sonhar com anjos tocando harpas e crianças brincando com bichinhos de estimação formados pelas nuvens. Mas aqui embaixo existem pedacinhos do céu. São lugares especiais em que a obra é tão bonita que nos lembra o paraíso, porque ali trabalham os homens de boa vontade.

Dia doze de maio estive na festa do vigésimo nono ano da ATEAL (Associação Terapêutica de Estimulação Auditiva e Linguagem), em Jundiaí. Ali, dia após dia, setenta profissionais dedicam o melhor de si para diagnosticar, reabilitar e capacitar para o mercado pessoas com deficiência auditiva. Na oportunidade, inauguraram um anexo construído para ampliar a capacitação profissional dos assistidos. Oficinas de informática, laboratórios de linguagem e outras atividades serão desenvolvidas nesse Centro de Desenvolvimento de Competências. Houve uma apresentação do Coral Ouvir bem, viver bem com adultos e do Coral Corpo e Canto – projeto cujo resumo veiculado pela própria instituição reproduzo abaixo:

“O projeto objetiva facilitar os processos de aprendizagem e minimizar o risco social imposto pela surdez e distúrbios de comunicação que acometem as crianças e adolescentes, desenvolvendo a percepção de um corpo falante e a sensibilidade para as relações, valorizando a autoestima, a disciplina, a responsabilidade com o espaço e com o outro, a solidariedade, o senso crítico, a cidadania no que refere seus direitos e deveres.

No início, a ATEAL foi fundada para oferecer tratamento aos pacientes locais que eram atendidos em Campinas. A viagem longa era ainda mais cansativa para pais com crianças pequenas, que passavam horas esperando no local de atendimento, saiam ao amanhecer e voltavam com o deitar da noite. Dessa oferta de ajudar quem precisasse, foram chegando pacientes de diferentes faixas etárias e regiões. O próximo passo foi buscar quem precisasse de ajuda nas maternidades, oferecendo diagnóstico o mais cedo possível para aumentar as chances de sucesso do tratamento. Hoje, o sonho é cada vez mais evoluírem as pesquisas, que atualmente acontecem através do NEP (Núcleo de Estudo e Pesquisa) e fazer um novo centro de pesquisa social para diminuir a incidência de casos de deficiência auditiva:

“O Núcleo de Estudos e Pesquisa da ATEAL objetiva ampliar conhecimentos, compartilhando ações e serviços através de parcerias com Universidades. Além de objetivar a divulgação e a incidência da crescente demanda da deficiência auditiva e dos distúrbios de comunicação, abordando uma mudança de foco da dificuldade de aprendizagem estabelecida e da deficiência instalada para propostas inovadoras de atuação.”

Quando conhecemos o espaço ampliado, havia uma exposição fotográfica comprovando a responsabilidade da entidade em cada projeto. Empresas interessadas em parcerias para inclusão dos jovens no  mercado podem buscar informações no site: www.ateal.org.br.

Mas ninguém pode falar da ATEAL sem citar a Mariza Pomílio – fonoaudióloga responsável pela sua fundação . Tudo começou nela. Imaginem uma única pessoa que foi capaz de movimentar pacientes, familiares, empresários e poder público, fazendo da ATEAL uma referencia hoje, afetando e melhorando a qualidade de vida de incontáveis pessoas que passaram e ainda passam pelos portões desse céu. Eu nunca tinha conhecido um local de trabalho onde os funcionários amassem tanto o que fazem. Nunca ouvi uma reclamação. Surpreendentemente, ouvi relatos de pessoas que esperam ansiosamente a segunda-feira para voltarem ao trabalho.  Esse amor, esse respeito e essa união são o resultado direto de uma mulher que, além de ser um modelo como administradora, é também um exemplo como ser humano. Perguntem daqui a cem ou duzentos anos quem foi essa mulher de figura delicada e alma de guerreira, e todos farão um minuto de silêncio, em respeito a ela, antes de responder.

Parabéns ATEAL, parabéns Mariza. Vocês festejam, e quem ganha presente é a comunidade.

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Comentários:



Anônimo disse...
Tão bom quando encontramos pessoas boas assim... Adorei conhecer a ATEAL...
quarta-feira, maio 18, 2011 12:34:00 PM
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Anônimo Anônimo disse...
Bela obra!
quarta-feira, maio 18, 2011 12:34:00 PM
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Anônimo Anônimo disse...
Simone escrever é um dom maravilhoso. E você o tem.
Parabéns por colocar com tanta sensibilidade nessas linhas, esse projeto maravilhoso que é a Ateal.
Abraços
quarta-feira, maio 18, 2011 12:34:00 PM
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Anônimo Anônimo disse...
Gostoso saber sobre nosso trabalho e muito gentil de sua parte,esta matéria,que terei o prazer de ler para nossos integrantes do projeto Ouvir bem viver bem.
Boas férias,esperamos ansiosos sua presença em nosso grupo .
Beijos,
Lúcia
quarta-feira, maio 18, 2011 12:35:00 PM
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Anônimo Anônimo disse...
Simone, obrigada pelo carinho. Nos tornamos fortes pelos amigos que nos acompanham nessa trajetória e ajudam a ter um olhar altivo e permanente para o futuro. Nossas crianças, de hoje, são o presente e delas precisamos cuidar. As de amanhã, o futuro e para elas vamos preparar um mundo melhor. Você está fazendo parte dessa história e assim ajudando a fazer a diferença, obrigada, Deus lhe abeçoe, bjs boas férias, Mariza Pomilio
quarta-feira, maio 18, 2011 12:35:00 PM
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Anônimo Anônimo disse...
Parabéns querida, muito bonita a matéria!!! Desejo sucesso. Olha, acho que é uma jornalista nata!!!! nem precisa de facul! rs... Bjãooo
quarta-feira, maio 25, 2011 6:06:00 PM

terça-feira, 17 de maio de 2011

A Eva em todas nós

Nós, mulheres, temos uma união diferente dos homens entre si. A própria maternidade é um elo inexplicável. Quando eu preciso de colo, procuro uma mulher. Mesmo os homens sensíveis não conseguem captar a dor da alma de uma mulher.

Por exemplo, se eu participo de um concurso e tiro zero, quem eu procuro? Minha mãe ou minhas amigas. Na hora da alegria e da tristeza, as mulheres sabem como segurar nossa mão. Minha mãe com certeza dirá que é um absurdo. Zero? Como? Uma poesia tão linda sobre uma lesma esmagada? Ela dirá que fui criativa e que achou o trabalho lindo. Mães são assim; não é que elas mintam, mas elas enxergam beleza até em um bolo queimado, porque você o fez com amor. Elas sabem que é apenas um bolo ou apenas um concurso. Mas, se você colocou sua alma nele, merece respeito.

Outro exemplo: moça briga com o namorado. Quem ela procura? A mãe ou as amigas. Encontra as meninas em um restaurante. Todas se sentam ao redor da mesa, tensas, sabendo que algo aconteceu. Olham umas nos olhos das outras e perguntam para aquela que tomou a iniciativa do encontro: “O que ele fez dessa vez?”. Pronto, a moça já se sente melhor. As amigas sabem que a culpa nunca é dela. Ele, o homem, o devastador de corações, sempre é o errado na história. “Ele se esqueceu do meu aniversário”. Um “ohhhhh” é ecoado simultaneamente pelas amigas, que, indignadas, complementam: “Como ele pôde?”, “Nem um cartão?”, “Uma flor sequer?”, e a moça de olhos marejados responde: “Nem um telefonema”. Pronto, o problema foi dividido, as amigas solidárias partem para a segunda intenção – resolver o problema de vez. “Ele não serve mesmo para você”, “Você merece alguém melhor”, “Você logo encontra alguém, enquanto não acontece, podemos sair juntas, alugar filmes, passear no shopping, ir ao teatro”. Acabam a noite cantando abraçadas no estacionamento, depois de marcarem um próximo encontro, em breve, para evitar uma recaída.

Quando você viu dois homens maduros se encontrarem em um sábado à noite para assistirem a um DVD alugado no sofá, de moletom e comendo pipoca, enquanto riem e choram juntos? Homem não faz isso. Mulher faz.

O Dr. Joan Silk , da Universidade da Califórnia, comprovou cientificamente o que parece uma brincadeira. O relacionamento entre as mulheres é capaz de abaixar a pressão, diminuir os batimentos cardíacos e o colesterol. Esse vínculo emocional faz tão bem à saúde quanto um exercício físico, o que propicia uma vida mais longa. Essa capacidade de abraçar e confortar é natural nas mulheres. Acho que por isso Deus fez Eva da costela do Adão. Ele queria testar primeiro para depois aperfeiçoar sua criação.

Essa crônica é uma homenagem a minha grande amiga Regina, que aniversariou dia 16 de Maio e fez um super encontro de amigas na sua casa, onde comemos, bebemos, rimos e choramos, como sempre.


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Comentários:

Anônimo disse...
Li a crônica do niver da Rê e recebi este e-mail de uma amiga...td a ver...muito legal e viva a nossa amizade, né?
bj
terça-feira, maio 17, 2011 10:45:00 PM
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Anônimo Anônimo disse...
Muito legal esse enfoque sobre os assuntos em que as mulheres se sobre saem aos homens nesse sentido.
Parabéns por externar esse sentimento tão nobre.
Um abraço
quarta-feira, maio 18, 2011 12:29:00 PM
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Anônimo Anônimo disse...
Linda. Adorei e compartilho com você sobre o assunto.
Mas porque choramos tanto pelos homens..... deveríamos jogar futebol, sinuca, ou frequentar mais bares....
Temos ainda que aprender muito sobre isso... colocar nosso foco em outra coisas, muito menos neles.
Bjs
quarta-feira, maio 18, 2011 12:29:00 PM
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Anônimo Anônimo disse...
Deliciosa a sua crônica Simone! É isso aí! Beijos
quarta-feira, maio 18, 2011 12:31:00 PM
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Anônimo Anônimo disse...
Olá Simone, muito obrigada por enviar os textos, mas gostaria de saber se todos eles são para seleção. Desde já grata pela sua contribuição.
quarta-feira, maio 25, 2011 6:07:00 PM
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Anônimo Anônimo disse...
Que linda, Simone....
Linda homenagem a nossa amizade... linda homenagem a Regina... linda homenagem aos deliciosos momentos que passamos juntas....
Amei.
Bjks
Nete
quarta-feira, maio 25, 2011 6:08:00 PM
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Anônimo Anônimo disse...
Que texto lindo , Simone, adorei, um beijo grande para minha querida amiga. (vou deitar pois amanha chega o Alfonso e sexta estamos indo todos para o Petar fazer uma trilha no meio do mato...beijos )
quarta-feira, maio 25, 2011 6:09:00 PM
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Anônimo Anônimo disse...
Maravilhoso isto aqui, Si! Gostei muito, Bela. Beijão pra vc!:)
quarta-feira, maio 25, 2011 6:12:00 PM
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Anônimo Anônimo disse...
Eu ainda não cantei no estacionamento, mas aceito companhia!!!
O encontro deste ano, no aniver da Rê, foi muito especial...
Me diverti muito e adorei ver a cara dos meninos, querendo saber porque as mulheres riem tanto!!!
Beijos,
quarta-feira, maio 25, 2011 6:13:00 PM

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Eu, a janela e a chuva


Finalmente o dia amanheceu nublado, preguiçosamente cinza.  Coloquei as cachorras para fora, antes que a grama molhada as impedisse da voltinha matinal. Alimentei os gatos e fui à sacada ver do alto o que estava acontecendo na praça do outro lado da rua. Os marrecos gritavam uns com os outros desesperadamente: “Corram, corram, a chuva vai chegar logo, precisamos encontrar um abrigo seco e seguro”.  E, em segundos, desapareceram pelos túneis verdes de arbustos empoeirados, que estalavam ansiosos.

Abaixo, no meu jardim, contemplei mais uma vez – como tenho feito há dias – o pássaro bicudo e alaranjado que está florescendo: a linda estrelícia que, vagarosamente, desperta em seu ninho de folhas verde-azuladas. Quando as primeiras gotas caíram de uma nuvem faceira, que não conseguiu esperar pelas amigas, eu vi a estrelícia abrir o bico e saborear o puro líquido do regador celestial. Acho que Ele nos presenteou com flores para sempre lembrarmos que temos alma, que existe muito mais importância nas Suas coisas do que nas que criamos.

Entro no meu quarto, e por que não, como se adolescente fosse, volto a deitar-me, mas antes abro a janela e convido a paisagem a invadir meu dia como se fosse um quadro moldurado em madeira. Vejo a palmeira comprida por onde escorre a água da chuva, agora muito mais forte, e escuto a música torrencial que acusticamente me isola do mundo, transformando as paredes da casa em braços de mãe que me protegem. 

Eu amo a chuva. Quando chove, os vizinhos param de gritar, os cachorros não latem, telefones não tocam e os jardineiros desligam os cortadores de grama. Pausa. Aproveito o momento de solidão para esquecer-me dos afazeres e das preocupações. Nada mais existe além de mim, da janela e da chuva. A água, que purifica e acalma, tem esse poder de tirar todas as minhas dores. O sopro do vento conduz as folhas que marcham pela rua como numa manhã de sete de setembro. Com suas mãos, o vento lava os pés do mundo, em total humildade. O sol hoje está descansando no colo de outros povos, que o veneram depois de muitas águas.

Aqui, o ar úmido entra em nosso corpo, levando uma sensação de bem-estar aos pulmões tão cansados dessa seca recente. Água. Bendita água!

Aos poucos, a chuva cessa, e a paisagem refrescada continua a sorrir. Escuto, agora, não mais a água escorrendo pelos muros invisíveis do meu mundo, mas carros que passam vez ou outra, um vizinho caminhando com o netinho que gargalha ao pular as poças no meio-fio e os pássaros a cantar. Um canto de celebração. Eles também são gratos por esse dia molhado, um oásis no meio da semana seca.


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Comentários:

Anônimo disse...
Bom dia Simone!
Vc acordou inspirada, lembrei das manhãs molhadas na minha chácara
terça-feira, maio 17, 2011 10:42:00 PM
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Anônimo Anônimo disse...
Aplausos!
terça-feira, maio 17, 2011 10:42:00 PM
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Anônimo Anônimo disse...
Lindo, lindo, lindo!!!!!!!!!!
terça-feira, maio 17, 2011 10:43:00 PM
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Anônimo Anônimo disse...
OLÁ, SIMONE, GOSTEI DE SUA CRÔNICA, MUITO BOM APRECIAR ESTA LEITURA. TAMBÉM SOU CRONISTA E ADORO DISCORRER SOBRE NOSSO COTIDIANO, NEM SEMPRE AGRADÁVEL. PARABÉNS...
terça-feira, maio 17, 2011 10:43:00 PM
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Anônimo Anônimo disse...
Olá Simone.

Gostei do seu belo relato. Na oportunidade, envio uma crônica de teor parecido. Espero que goste.
Um abraço.
terça-feira, maio 17, 2011 10:43:00 PM
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Anônimo Anônimo disse...
OI! Simone , fico fascinada como vc capta com tanto carinho as lindas coisas que ELE nos deu no nosso dia a dia , mais encantada ainda com seu especial olhar ( a maioria é cega infelizmente )para coisas aparentemente simples mas de uma enorme grandiosidade
que poucos possuem e vc em especial consegue transmitir em palavras. Muita LUZ para vc. Ma
terça-feira, maio 17, 2011 10:44:00 PM
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Anônimo Anônimo disse...
Linda crônica.
Já concorreu ao Escriba de Crônicas 2011?
Há tempo!
terça-feira, maio 17, 2011 10:44:00 PM
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Anônimo Anônimo disse...
Embora eu não goste de chuva, adorei a crônica, Simone!
terça-feira, maio 17, 2011 10:53:00 PM
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Anônimo Anônimo disse...
Que lindo Simone,adorei a "pausa" que vem com a chuva.
Me permita responder seus emails...é que me emocionam!
Um forte abraço
Lúcia
quarta-feira, maio 25, 2011 6:11:00 PM
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Anônimo Anônimo disse...
Que lindo Simone,adorei a "pausa" que vem com a chuva.
Me permita responder seus emails...é que me emocionam!
Um forte abraço
Lúcia
quarta-feira, maio 25, 2011 6:12:00 PM
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Anônimo Anônimo disse...
O que posso dizer?
Quanta sensibilidade, hoje tão rara! Amei seu texto. Posso repassar aos meus contatos?
Abraços
quarta-feira, maio 25, 2011 6:14:00 PM

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Resenha de Fragmentos e Estilhaços

Por Jacqueline de Oliveira.
Fonte: http://behind-thewords.blogspot.com.br/2011/05/resenha-fragmentos-e-estilhacos-simone.html


sexta-feira, 13 de maio de 2011


[Resenha] Fragmentos e Estilhaços - Simone Pedersen


Fragmentos e Estilhaços

Autor: Simone Pedersen
Ilustrações: Paulo Branco
Número de páginas: 160
Editora: In House

Sinopse: Metamorfose
Quando as mariposas saem dos casulos e voejam dentro de mim, eu sei.
É hora de tecer um tapete vermelho de seda para receber amor.

Você gosta de poesias, contos e crônicas? Vou fazer uma pergunta melhor,  você gosta de ler? Então este livro é para você.

“Fragmentos e Estilhaços” se tornou para mim um livro de cabeceira.
Sempre fui fã de poemas e contos, mas este livro fez com que eu gostasse ainda mais.
Todos os "textos" deste livro fazem completamente sentido. Muitos falam de amor, o que faz com que eles façam ainda mais sentido.
As ilustrações do livro por mais que não tenham uma forma exata se encaixa totalmente nos textos da autora, afinal para cada um eles terão um sentido.

“Acumulo livros nas estantes
Meu refúgio me espera
Quando a realidade se exaspera...”

Pág. 30 - Fome de Vida

Já que estou fazendo comentários tão misturados, vou aproveitar e comentar sobre a escrita da autora, que me deixou boquiaberta.
A Simone tem uma escrita maravilhosa, com certeza ela escreve com muito amor, pois quando lemos conseguimos notar isso sentimos o amor em suas palavras, o que fez com que eu gostasse ainda mais do livro.
Um livro de completo sentido. Um livro que pode mudar sua opinião sobre muitas coisas, ele mudou algumas das minhas opiniões.
Este livro é recomendado a todas as pessoas, independente da idade, afinal pode acabar de tornando uma lição de vida em alguns momentos.

"Não foi por falta de amor que acabou. Foi por excesso de lágrimas"

Pág. 156 - Fim

terça-feira, 10 de maio de 2011

Personagem do bem


Todos nós já passamos por experiências diferentes, engraçadas até, quando viajamos. Nos anos 90, eu costumava ir à França com meu marido que tinha um projeto de secagem de alfafa em uma pequena cidade chamada Nangis, terra por onde andaram os pés de Joanna D’arc, quando da Guerra dos Cem Anos, e fica a aproximadamente uma hora distante de Paris.  Provins, Fontainebleau Palace, Chateau de Motte-Tilly, inúmeras opções em um raio de 50 quilômetros serviam de motivação para acompanhá-lo muitas vezes a essa pequena cidade. Enquanto ele trabalhava, eu passeava ali por perto.

Bons tempos aqueles! Eu torcia sempre por um pouco de fogo na fábrica. Como a alfafa é auto combustível, quando esquentava demais no secador o pequeno incêndio começava e os engenheiros ficavam malucos tentando resolver o problema. Eram apenas inícios de incêndio, havia um protocolo de segurança a seguir e nunca houve nada de grave, felizmente, para eles e para mim! Os franceses precisavam secar o produto para estocá-lo e servir de alimento para os animais no inverno. Enquanto eles analisavam o problema, eu conhecia toda aquela região, sozinha, o que nunca foi problema para mim. Sempre adicionávamos uns dias de férias no final do período, não tínhamos filhos então e tudo era festa.

Durante os dias em que ele trabalhava, eu ia de trem a Paris, e voltava ao entardecer. Ou de carro, percorria cidades medievais, estacionava e caminhava em ruas de pedras, me encantava com flores coloridas nas janelas, visitava museus e castelos, almoçava em um restaurante charmoso com uma boa taça de vinho. À noite jantávamos em cidades próximas, ou na beira do Sena. Eu não falo francês, fiz apenas um ano de curso com os alunos de Letras da USP, só aprendi o básico e, hoje, nem do básico me lembro mais. Isso nunca me impediu de me aventurar por lá, em um país onde poucos falavam inglês há vinte anos.

Uma vez, tive dor de cabeça. Eu não consegui entender o que se passava, começou com dor de ouvido, depois no maxilar e de repente estava morrendo de dor. Problema de canal! Falei na recepção do hotel onde estávamos hospedados e me indicaram o dentista da cidade. No dentista, eu tentei me comunicar com a secretária que não falava nada além de francês, mas viu meu rosto inchado e fez sinal que eu me sentasse ao lado de uma moça morena e aguardasse . Eu perguntei à moça : “Do you speak English?” ela fez sinal com a cabeça de não. “Kan Du godt tale dansk?” arrisquei, pois na Dinamarca tem muitos imigrantes. Nada. “Sprechen Sie Deutsch?”. Nem pensar. Eu também não falo alemão, nem espanhol, fiz também um ou dois anos quando jovem, mas com o medo que eu tenho de dentista, eu me comunicaria até em japonês. Precisava de alguém que entendesse meu pedido de socorro e segurasse a minha mão. Ou me impedisse de fugir, se necessário fosse. Ok, já desistindo: “Ablas Espanhol?”, e ela, sorrindo me disse: “Não, eu só falo português”. 

Inacreditável, uma intérprete de português e francês, ali, bem ao meu lado! A portuguesa me acompanhou o tempo todo, traduziu tudo e deixou-me muito mais calma. Ofereceu seu número de telefone. Ligou depois no hotel para saber se eu estava melhor. Coincidências da vida. Tenho muitas histórias daquela época. Algumas engraçadas, outras nem tanto. Já furou o pneu do carro em uma estrada no meio do nada, eu sozinha com dois filhos pequenos, voltando de um Akvarium na Dinamarca e quando olhei ao redor estava na porta de uma borracharia, que apesar de fechada, tinha excepcionalmente uma pessoa trabalhando naquele anoitecer no próprio carro... Um dia eu conto a história de quando eu desci um penhasco na Itália por quilômetros e percebi que não tinha saída e nem espaço para virar o carro e voltar...

Sempre encontrei ajuda por onde passei. A gentileza é uma benção, ainda mais assim, quando a pessoa não espera nada em troca, faz com o único objetivo de ajudar um desconhecido. Todos nós podemos fazer isso. Todos nós podemos ser um personagem na vida de alguém. Ser um facilitador, um mensageiro de gentilezas. Por um dia ou por uma vida toda.


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Comentários:

Anônimo disse...
Parabéns pelo texto, Simone.

terça-feira, maio 10, 2011 12:23:00 PM
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 Anônimo disse...
Obrigado pela crônica!

terça-feira, maio 10, 2011 12:23:00 PM
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 Anônimo disse...
Essas suas histórias em outros países são mto interessantes. Mostram que, pro bem ou pro mal, o ser humano é sempre o mesmo, em qualquer lugar.
Abraços.

terça-feira, maio 10, 2011 12:23:00 PM
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 Anônimo disse...
já pensou em que esas atenções e coincidências se devem a senhora e não aos outros?

terça-feira, maio 10, 2011 12:24:00 PM
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 Anônimo disse...
Esse texto me lembrou o filme "A Corrente do Bem"... impressionante , se quisermos, como realmente podemos fazer e acontecer e mudar o mundo... esperando o história do penhasco... rssssssssss

terça-feira, maio 10, 2011 12:24:00 PM
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 Anônimo disse...
Você é ótima!
Nasceu para contar “causos” e eu continuo adorando a maneira como escreve.
Obrigada!
Abraços,

terça-feira, maio 10, 2011 12:24:00 PM
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 Anônimo disse...
Olá Simone!!!
Gosto muito de ler suas histórias de vida, pois além de serem muito interessantes elas nos passam mensagens secretas que talvez nem você tenha se dado conta ainda, ou ao contrário ,nos escreva justamente para nos dizer sutilmente algumas coisas que precisamos ouvir , como essa que acabei de ler onde você sugere que mesmo estando em um lugar onde não conhecemos ninguém , ainda que muitas vezes em apuros sem ninguem para contar é possivel encontrar uma saída . É preciso mesmo coragem para enfrentar o desconhecido e se sair vitoriosa, pois gentileza e solidariedade podemos encontrar em qualquer lugar do mundo. Fica sozinho realmente quem quer ficar.

terça-feira, maio 10, 2011 12:25:00 PM
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 Anônimo disse...
Muito legal.
Gostei

terça-feira, maio 10, 2011 12:25:00 PM
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 Anônimo disse...
Simone, a Humanidade ainda está no azul, no livro do Balanço. Menos mal para o mundo.

Abraço

terça-feira, maio 10, 2011 12:25:00 PM
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 Anônimo disse...
Gentileza gera gentileza, minha amiga. Abracos

terça-feira, maio 10, 2011 12:26:00 PM
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 Anônimo disse...
Oi amiga,
Que bom que voltei a receber teus e-mails.
Sabe, eu não respondo pois sou assim mesmo, mas adoro todos.
Quando aparece De Simone, é sempre uma alegria pois sei que virá algo legal entre tantos outros com cálculos, planilhas, solicitações e reclamações. Voce é o meu recreio.

terça-feira, maio 10, 2011 12:26:00 PM
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 Anônimo disse...
Gostei!

terça-feira, maio 10, 2011 12:26:00 PM
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 Anônimo disse...
Olá Simone, gostei. Obrigada.
abç

terça-feira, maio 10, 2011 12:26:00 PM

quinta-feira, 5 de maio de 2011

A entrevista


Fiquei sem empregada doméstica. Eu não uso o termo auxiliar ou secretária, como manda a “nova moral”. Com todo respeito, alguém que trabalha em domicílio é empregado doméstico. Assim como eu não sou moça, sou uma senhora. Mudar a palavra não é evolução, e sim tratar com respeito e remuneração adequada. Desde que não seja um nome pejorativo, é claro. Enfim, repentinamente sua mãe adoeceu, e ela precisou ser liberada no dia seguinte. Quando pedi que viesse em uma semana para buscar a carteira profissional com a devida baixa, ela ficou desesperada. E se precisasse do documento na segunda-feira? Como visita em hospital não exige mostrar a carteira, imaginei que talvez estivesse saindo porque arrumou outro emprego e não quis comentar. Ganhei despedida com direito a abraços e lágrimas. E vi saindo pela porta uma pessoa que conviveu comigo durante dois anos, seis dias por semana, para talvez nunca mais vê-la, como outras no passado. A vida é assim. Algumas pessoas passam, deixam marcas, nos transformam e depois seguem sua viagem. Depois de um tempo, fica uma sensação morna como anestesia, não é inexistente, mas também não dói mais.

Comecei a maratona de procurar uma substituta. Deixava meu filho na escola, contatei agências e seguia para as paradas de ônibus dentro do condomínio e perguntava para as mulheres se conheciam alguém que estivesse procurando emprego. Eu era entrevistada por elas ali mesmo, na rua. Perguntavam se a casa era grande, se eu tinha filhos, animais, se precisavam passar roupa – a maioria não gosta de passar roupas, eu descobri. Cozinhar, então... Nem mesmo esquentar água, a maioria. Era questionada se tinha faxineira, cozinheira, motorista em casa. Nenhuma perguntou se eu tenho helicóptero ou heliporto, mas desconfio que em breve seja incluído no questionário; assim como se a casa tem elevador e sistema de refrigeração. Uma mais atrevida me perguntou a marca dos produtos de limpeza que uso, e se a geladeira e o telefone são liberados. Todos os olhares focaram na minha resposta. Eu concordei, percebendo que o que antes era considerado uma qualidade minha hoje virou condição “sine qua non”.

Na Itália passei por algo parecido. Quando procurava casa para alugar e dizia que tinha um filho de cinco anos na época, as imobiliárias me informavam que seria difícil encontrar imóvel. Isso porque alugam com o mobiliário e acham que as crianças o destroem. Depois de mais de três meses, encontrei um imóvel vazio e consegui trazer meu container. Aqui, quando digo que tenho dois filhos, percebo no olhar das minhas entrevistadoras que passei do limite. Tenho a impressão que escuto o pensamento de algumas: “Você não acha que um estava de bom tamanho?”. Talvez seja influência chinesa, que entrou com a indústria têxtil e agora conquista a cultura e moral brasileira. Mas não ouso perguntar quantos filhos elas têm. Uma comentou: “Dois filhos, dois cachorros, gatos, é ruim, hein...Vai achar ninguém não”.

E não consegui ninguém ainda, como previu a vidente. Já se passaram quatro anos. Atualmente estou fazendo um curso de pós-graduação em universidade federal para melhorar minhas chances. Chama-se “A Patroa do novo milênio: obrigações”. Dizem que no passado o curso tinha um módulo de direitos também...
O tempo passou. A sociedade evoluiu. Jamais pensei em qualquer pessoa trabalhando na minha casa e sendo tratada sem respeito. A mulher conquistou seu espaço e aprendeu a valorizar as atividades do lar, que não são fáceis. Toda mulher sabe que faz, faz e faz e quando vê tudo está por fazer novamente. Mas quem dá conta de uma casa trabalhando das nove da manhã às duas da tarde, como elas querem? Quem de nós trabalha só cinco horas por dia?


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Comentários:

Anônimo disse...
Muito boa, Simone. E, apesar de ter aqui comigo uma que está há dez anos e é de confiança (e isso é o atributo básico, já que tenho dois filhos e dois cachorros...rs), a comida é de matar e a limpeza da casa deixa muito a desejar... Mas, a cada vez que penso em trocar de profissional, me deparo com essa situação: converso com amigas, e a impressão que tenho é a de que nós é que temos de nos adequar a essa nova situação. Hoje um taxista que se recusou a me trazer, dizendo:"Ah, não, pra lá está tudo engarrafado. Vou, não". E eu: "Ah, moço, me desculpe. Deixe o cartãozinho da sua cooperativa, que qdo eu estiver indo pro lado que o senhor quer, eu ligo"...
É mole?

domingo, maio 08, 2011 5:44:00 PM
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 Anônimo disse...
Totalmente pertinente o seu desabafo!!!
quando não acontece o pior...ser colocada na justiça utilizando completa má fé!! levamos um susto, pois o inimigo estava infiltrado em nosso refúgio e intimidade!

bjo

domingo, maio 08, 2011 5:44:00 PM
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 Anônimo disse...
É... Simone conheço de perto essa "charla" tão bem desenvolvida por você! Não tenho "secretária" nem "doméstica" em casa, a não ser a faxineira, que vem uma vez por semana. E vou me virando da melhor maneira possível! Para nós, que gostamos de escrever, às vezes, o silêncio compensa a falta da ajudante. E melhor que isso, só mesmo amordaçando o telefone, para que o lar se transforme em céu! Gostei a sua crônica. Bjs. Carolina

domingo, maio 08, 2011 5:44:00 PM
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 Anônimo disse...
Simone..amei esta...você escreve como se soubesse o que a gente sente...maravilhosa!!!

domingo, maio 08, 2011 5:45:00 PM
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 Anônimo disse...
Não desanime, minha amiga. Não está longe o dia em que vocês terão de usar burkha. Pelo menos, as patroas.

Abraços
Carlos

domingo, maio 08, 2011 5:45:00 PM
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 Anônimo disse...
Bom dia Si

Eu sempre escrevo as mesmas coisas, mas só me resta lhe elogiar, cada linha nova é melhor do que a outra!!!!!! Você me traz muita coisa boa e suas verdades são incontestáveis!!!!

Passei por situações assim e realmente é revoltante!!!

Só o nosso encontro que está difícil hein!!!! Qualquer dia te ligo e vamos te fazer uma visita, talvez seja mais fácil!!!!

domingo, maio 08, 2011 5:45:00 PM
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 Anônimo disse...
Pois é Simone! É assim mesmo, principalmente aqui em Vinhedo. Tem gente que vai buscar empregada em outras cidades e até em outros estados. Boa sorte na busca. Se eu souber de alguém te indico. Beijos, Elsa

domingo, maio 08, 2011 5:46:00 PM
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 Anônimo disse...
Simone,

Você é excelente cronista. Fato 1
Dificuldade em encontrar não só empregados domésticos qualificados como outras profissões igualmente qualificadas... fato 2.
Que eu de-tes-to fazer, fazer e fazer tudo...repetidas vezes... ao longo de um só dia????
Fato estressante 3

rsrsrsrs

domingo, maio 08, 2011 5:46:00 PM
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 Anônimo disse...
Olha que texto de reflexão. Passamos pelos mesmos problemas aqui em casa. Já é uma classe que tem até sindicato. Vai chegar um momento que teremos que trabalhar para elas, dentro da nossa própria casa..
Toninho

domingo, maio 08, 2011 5:47:00 PM
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 Anônimo disse...
Olá, Simone

Em casa sempre tivemos empregada doméstica. Mais por causa da saúde um pouco precária da minha mãe que da nossa condição financeira. Quando visito a minha mãe, nem sei quem vou encontrar lá. Geralmente é uma mesma moça cheia de idas e vindas. Ela já se demitiu, foi demitida nem sei quantas vezes. Some, falta sem avisar, já aconteceu de chegar no dia seguinte e ter outra no lugar dela. Já teve filhos (no plural mesmo), tirou licença, recebeu salário maternidade (chegamos a pensar que ela achava vantajoso, ter filho só pra isso). Quando a empregada é outra, eu nem acho bom porque sei que não vai dar certo. Uns meses atrás, com uma dessas "substitutas", começou a sumir umas coisas. Minha mãe conseguiu flagrar a moça, mas demitiu-a sem mencionar o motivo (que ambas sabiam). Uma vez apareceu uma moça careca, com sotaque, cheia de "atitude", e "é claro" que não foi contratada. Quem vai falar em preconceito nessa situação? Também não tinha referências. Mas eu costumo dizer à minha mãe que empregada doméstica não devia existir. Você servir a uma família, dentro da casa dela, no espaço que é daquela família, mas não é seu... Só aceita ser doméstica quem não tem outra alternativa. Se bem que nas relações trabalhistas é sempre assim, em qualquer profissão. É a lei da oferta e da procura. E se é verdade que hoje em dia as domésticas estão chegando ao trabalho de carro novo, a situação tende a ficar mais difícil. E, na verdade, não se pode culpar ninguem. A última vez que eu precisei de um eletricista, quase tive que implorar. Eles só aceitam trabalhos grandes, nada de consertos, mas eu não sei consertar instalações elétricas. Precisei trocar um portão que o meu cachorro destruiu com xixi, e só consegui um pedreiro apelando para a boa vontade de um conhecido no seu sábado de folga. Agora preciso pintar umas janelas e já estou me inteirando do ofício de pintor. Vou fazer eu mesmo. E eles estão errados? Não sei. A construção civil sempre foi dos piores setores para se trabalhar, mas agora eles estão por cima. E isso é muito bom. Só que eu estou aqui xingando o pintor que vinha anteontem pintar as minhas janelas e não veio.

Abração,

domingo, maio 08, 2011 5:47:00 PM
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 Anônimo disse...
Adorei,Simone! beijo...

domingo, maio 08, 2011 5:47:00 PM
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 Anônimo disse...
HÁHÁHÁHÁHÁHÁHÁ!!!!!!!MARAVILHOSO!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!ADOREI O MESTRADO...VC É UMA LUÍSA F. VERISSIMO!!!!!!

domingo, maio 08, 2011 5:47:00 PM
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 Anônimo disse...
Obrigada pelo envio da crônica abixo e do miniconto. Você escreve muito bem!
Abraços,

domingo, maio 08, 2011 5:48:00 PM

terça-feira, 3 de maio de 2011

Solidão (mini conto)


O vinho caríssimo escorre pela garganta sedenta preparando-o para a próxima degustação.

Do outro lado do bar, a moça pensa:

“- Com esse me deito, estou morrendo de solidão...”

E ele, regozija em pensamentos carnais: “Hoje me deleito, carne nova, sangue fresco!”

Horas depois, ele a deixa desacordada sob os lençóis lilases do seu quarto rosa. Antes de sair, coloca um objeto de sua antiga penteadeira – uma boneca de porcelana – aninhada em seus braços.

Entra no carro, com o vermelho ainda escorrendo pelo queixo.

A ampulheta


Poucas situações me estressam. Conversas laterais não me interessam. Críticas negativas me levam a reflexão. Críticas positivas me deixam em atenção. Todo cuidado é pouco nesta vida moderna em que o relacionamento social ficou ainda mais poluído pelas redes virtuais, troca de e-mails, celulares e imprensa. Nunca houve tanta informação pessoal, coletiva e técnica. Cada um desenvolve seu filtro. Se o Facebook estourou com a falta de anonimato, li outro dia que a novidade é uma rede social onde o anonimato será mantido. Muitas pessoas se privam de dar opiniões quando precisam se identificar. Por outro lado, o comentador invisível e democrático terá a responsabilidade de ser equilibrado e fundamentar-se em fatos verídicos? Respeitará o termo de compromisso que assinará para participar?

A grande vantagem, a meu ver, é que o anonimato oferece um filtro contra o marketing indesejado. Nada me incomoda mais que atender telefonema ou abrir e-mail oferecendo cartão de crédito, conta em banco, ajuda a entidades assistenciais, etc. Sinto-me invadida: entram em minha casa sem me pedir licença! Costumo levar na brincadeira, mas não gosto desse tipo de oferta. Telemarketing é simplesmente uma forma de roubar nosso tempo e atenção. Todo esse burburinho tem um efeito direto na qualidade de nossa vida.

O caos alimenta-se do nosso tempo. Acredito que o maior bem que possuímos na vida é o tempo. Sem ele, nada pode ser feito – ou refeito. Eu fico estressada quando penso em tudo que tenho por fazer e o tempo de que disponho. Desde a programação diária até os planos de vida. Durante o dia me ocupo dos contatos com as editoras, clientes, reuniões, concursos, periódicos, telefonemas, pagamento de contas, alimentação e banho. Sobra a noite para escrever. Muitas vezes, a madrugada. O que me levou a constatar que se escrevo de madrugada, meu dia estará comprometido. Acordo um pouco mais tarde, não tantas horas quanto fiquei acordada, o que deveria me deixar no lucro. Isso não acontece. A qualidade do meu desempenho cai drasticamente nos dias seguintes às noites em que dormi pouco. Fico lenta, penso menos. A única vantagem, e todo escritor concordará comigo, é que o silêncio da madrugada é inspirador.

Cheguei à conclusão de que a rotina oriental é a melhor arma contra a perda de tempo. Dormir e acordar cedo. Seguir uma sequência de atividades. Dividir o tempo em blocos por assunto. Dizer “não” ajuda muito também. Recusar convites e ofertas que consomem o tempo e não trazem nenhum benefício. Assim como selecionar os interessantes e não perdê-los. Vejo como um problema matemático. O tempo não é elástico, se você usar mais a noite, ele reduzirá durante o dia. Para priorizar, precisamos primeiro ter disponibilidade dele. E quando temos mais prioridades que possamos resolver em um dia ou em uma semana? Trabalhar contra o tempo é muito estressante. Gerenciar os grandes projetos requer maestria. Não podemos priorizar sem ferir sentimentos dos que não foram considerados importantes. É necessário muito jogo de cintura.  A prioridade é que nos livremos de tudo que rouba nosso tempo. O ladrão é esperto: ele não leva a carteira, leva uma nota de cada vez. Se não formos atentos, não percebemos até que a carteira esteja vazia. 

Eu entendo algumas pessoas que mudam para uma chácara e se isolam do mundo.  Infelizmente, a maioria de nós não pode se dar a esse luxo e precisa conviver com outras pessoas na sociedade atual que nos expõe e cobra demais. Relacionamentos são difíceis, conflitos inevitáveis e o choque de interesses fazem parte de qualquer relação, seja afetiva ou comercial. Quando me desespero com o tique-taque incessante e as interferências externas, respiro fundo e pego papel e caneta. Não para escrever literatura, mas para listar o que preciso fazer. O meu maior objetivo atual é reservar os sábados e domingos para a família e descanso. Costumo trabalhar nos finais de semana e acredito ser um grande erro. Como uma noite sem dormir rouba a nossa vida no dia seguinte, o final-de-semana sem descanso rouba a nossa produtividade na semana seguinte.

A ampulheta não para, isso é fato. Só resta a nós, mortais, usarmos da melhor forma possível cada grão de areia que desce, com foco, com profundidade, com presença de espírito. Para isso, não adianta pensar na vida como um todo, temos que vencer vinte e quatro horas por vez. Focar no que será feito a cada hora.
É preciso viver cada minuto, sem desperdício.